sábado, 19 de novembro de 2022

Saudade dói

Às vezes vejo você na minha mesa de café da manhã, que ainda segue com duas toalhas do jogo americano.

Também penso em você na minha cama. Sobra espaço demais quando cê não tá.

Às vezes te vejo dançando na minha sala. E fico admirando.

Te vejo fazendo café preto na cozinha. E colocando o seu por engano no meu pote. Aliás, seu café tá lá ainda.

Às vezes te vejo no chão da sala fechando um baseado enquanto tocam aquelas nossas músicas aleatórias na minha TV.

Acordo lembrando da nossa conchinha.

E fico pensando que queria te dar bom dia com cafuné no cabelo.

Te escuto cantando enquanto toma banho.

Imagino seu rosto na minha frente e logo vem a minha vontade doida de te encher de beijo.

Eu ainda faço panqueca a mais pra nós dois.

Também lembro das nossas conversas, da gente rindo junto.

E depois debatendo todas as questões existenciais da vida em papos que poderiam nunca acabar.

Lembro do seu rosto colado no meu, da respiração lenta e o beijo demorado.

Você tá aqui.

Em muitos lugares pela casa.

Em muitos lugares dentro de mim.

Eu sinto sua falta e fico perguntando como você não sente a nossa.

Como não faz tapioca de banana pensando que eu poderia estar aí tomando o café preto que eu nem gosto?

Como fica na sua sala sem nunca lembrar da gente brincando de dançar?

Esses dias passei pelo restaurante do nosso primeiro encontro, aqui na Barra.

Lembra?

Pensei em você.

Sorri de canto pensando como nosso começo foi bom.

Agora sinto saudades de quando aquele restaurante era só um restaurante.

De quando andar pela Lapa não me lembrava você.

E de quando várias músicas não me faziam chorar.

O problema da saudade são as memórias.

Porque elas veem sem pedir licença.

Lembrando tudo de bom que existiu ali.


Queria não lembrar...

Queria ter memória curta igual você.

Pra não sentir falta

da falta que você faz.

Coisas que aprendi com você

Eu queria que você soubesse que tenho mergulhado cada vez mais fundo nos meus buracos e feridas familiares sobre falta de amor, ausência de carinho e necessidade de validação - e o quanto isso afeta e repercute nas minhas relações.

Queria que você soubesse que a dança passou à ocupar um lugar muito mais importante na minha vida. Que a relação com o corpo e o outro através da dança tem me tocado cada vez mais. E que hoje eu penso inclusive na possibilidade de trabalhar com dança.

Eu queria que você soubesse que tenho observado mais o outro, o espaço e os momentos. E que tenho confrontado diariamente as minhas ideias sobre amor e os meus ideais românticos.

Eu queria que você soubesse que ando na rua prestando atenção no alinhamento da minha coluna, no encaixe do meu quadril. E que minhas dores na lombar diminuíram.

Queria que você soubesse que às vezes ponho Gilberto Gil pra tocar. E fico prestando atenção nas letras.

Também queria que você soubesse que adorei conhecer Cabo Frio. Que voltei a dançar samba. E que tenho usado limão como desodorante. E minhas amigas riem disso.

Eu queria que você soubesse que hoje sou mais atenta à minha fala, ao meu excesso de fala. Principalmente se estou numa roda com pessoas pretas.

Queria que você soubesse que voltei a escrever. Que me reconectei com o diálogo do coração e o desabafo da caneta.

Eu queria que você soubesse que voltei a pensar em procurar minha mãe, fazer as pazes e reconstruir essa relação.

Queria que você soubesse que hoje dissemino por aí a origem do termo "samba de gafieira" e tantos outros diálogos acerca de dança, arte e os recortes raciais.

Que passei a ver mais importância no debate político e em massagens na bunda.

E que tenho me aprofundado mais e procurado formas de inserir no meu trabalho a discussão sobre cidadania, revisionismo histórico e se pensar o Brasil.

Queria que você soubesse que essa é uma pequena lista das coisas que aprendi com você. Das muitas coisas que aprendi com você. E que sou extremamente grata a cada uma delas.

Brené Brown diz no especial dela que "Amar é ser vulnerável. Amar é dar seu coração à alguém e dizer: sei que posso me magoar, mas eu quero fazer isso."

Então, por fim, queria que você soubesse que eu te amei. E muito.

Doída

Do.í.da.

Doida.

Dói ser doida quando se está doída.

Dói a dor de não ser escutada

De não ter a dor ouvida

Saber que dói aqui e não dói aí

Me deixa ainda mais doída.

Ou doida.

Tudo depende pra quem dói

Ou pra quem nada dói


Pedir amor dói

Pedir amor e não receber dói mais

Pedir amor, não receber e ainda se sentir mal por pedir amor é muito doído.


Como pedir amor pode ser tão ofensivo?

Será que estamos todos doidos?

Ou será que estamos todos doídos?