terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Cada um no seu barco

Quando eu tinha uns 16, 17 anos eu entreguei todo o meu coração pra alguém

Sem nenhum cuidado, essa pessoa deixou cair.

E ele quebrou.

E ninguém fez questão de colar.

Foi sofrido demais catar os cacos sozinha.

Foi uma dor tão grande que nada fazia parar.


Sem saber se daria conta de sentir a mesma dor de novo, eu decidi me afastar.

E vivi por um bom tempo uma vida onde sentir era um problema, criar vínculos era um erro. Eu não me permitia me atravessar.

Quis me afastar do amor das pessoas.

Porque achei que o amor doía.

Porém não percebi que a cada passo que eu me afastava dos outros eu ficava mais distante de mim.


A verdade é que eu preferi me congelar por medo.

Medo de me apaixonar.

Medo de amar demais.

Medo de ter alguém com quem eu posso contar.

E principalmente: o medo dessa pessoa me abandonar.


Ah, como é dolorido o abandono!

Aquela sensação de que você é algo que pode facilmente ser deixado pra trás.

Assim como um peso inútil numa mochila, que você larga no caminho porque cansou de carregar.


Nunca imaginei que com você eu viveria isso de novo

Afinal, estávamos no mesmo barco!

Você disse “bora atravessar até o outro lado do rio? A gente vai junto”.

Pouco tempo depois percebi que eu estava segurando os dois remos. Você não estava mais no barco.

Nem do outro lado da margem.

Nem no rio.

Nem em lugar nenhum.

Você sumiu.

E me deixou atravessando o rio sozinha.

Eu achei que estávamos no mesmo barco.

Não estávamos.

Não sei quando eu entendi errado…

Mas talvez você nunca esteja em um barco com alguém.

Talvez você só ande no seu barco.

E talvez você nunca queira atravessar o rio junto.


Lembra quando eu falei sobre ter me congelado pra me proteger?

Pois é… nessa época eu também tive um barco só meu. E não entrava no barco de mais ninguém.


Até que eu entendi que vida é a travessia. O barco é a forma como você decide percorrer a travessia. Tem momentos que é bom estar só no próprio barco, mas remar sozinho o tempo todo é cansativo, é triste e te faz em muitos momentos perder a beleza do rio.


A dor de me perceber só dentro do barco me trouxe de volta pra Giovana dos 16, 17 anos.

E junto da solidão do barco, veio o coração em cacos.

A mesma dor dilacerante de novo.

Eu havia esquecido o quanto dói!

Eu nem pensei sobre a dor.

Eu só peguei os remos e fui.

Porque eu descongelei, lembra?

Eu me aproximei das pessoas

Porque eu me aproximei de mim de novo.

Eu queria sentir, eu queria amar, eu queria atravessar junto.


Agora tô aqui, sentindo aquela dor que parece que queima o coração.

E odiando lá atrás ter topado a ideia de atravessar o rio com você.


Eu sinto

Que meu corpo inteiro voltou a sentir medo.

E até do medo eu tenho medo agora.

Porque eu sei que por muito tempo foi o medo que me fez querer remar sozinha.

"No 3 a gente mergulha"

Às vezes sinto que você não viveu a mesma história que eu.

E agora já começo a pensar se essa história realmente aconteceu.

Já não sei se minhas memórias são de quem você era ou de quem eu construí que você era.

O apego a narrativa é muito grande.

A narrativa do que poderíamos ser.

A narrativa do que fomos.

Ou a narrativa do que eu achei que fomos.

Ou do que eu quis com muita força acreditar.


Hoje já não sei se fomos.

Não sei se você foi.

Aliás, você foi. Você se foi.

Foi e nunca mais voltou.

Foi o cara que eu achei que acreditava tanto nessa relação quanto eu.

Foi o cara que eu acreditei que via o mesmo valor em todos os nossos momentos bons, assim como eu.

Foi o cara que eu imaginei que quando pensava na gente, pensava em futuro, pensava no que podíamos construir juntos e no quanto estar junto vale a pena. Mesmo nas turbulências. Afinal, voar é perigoso. Mas a ideia de poder ver o mundo de cima, de ter a possibilidade de ver a vida de uma nova maneira - e ainda acompanhado - me seduz. Achei que te seduzia também.

Quando penso na nossa relação me veem os nossos momentos de risadas juntos, nossas conversas profundas e cheias de insights, nossas danças e nossos beijos lentos.

Quando penso na nossa relação lembro do espaço de diálogo onde tudo pode ser conversado, onde o outro é ouvido e validado, onde podemos olhar pras próprias dores e dificuldades enquanto seres complexos que somos. Porque a gente gosta de se relacionar com pessoas complexas! Você sabe disso.

Quando penso em você, penso num cara carinhoso, quem sabe até apaixonado… um cara profundo e que gosta de mergulhar fundo. Um cara que escuta o outro e se importa. Um cara afim de construir uma relação pra crescer junto. Um cara que ama. Apesar de às vezes não querer.


Todas essas narrativas estão dentro de mim.

Ou estiveram...

Aos poucos começo a achar que nenhum delas foi real, que na verdade eu estava num grande deserto de alucinações.


Começo a achar que nossa relação nunca teve diálogo. Porque se tinha, como deixou de ter no momento mais difícil e mais dolorido para ambos?

Começo a achar que nossa relação nunca foi de cuidado. Porque se foi, como você me vê sangrando e não faz nada?

Começo a achar que você nunca se importou. E que nunca me amou de verdade. Porque se amou, como deixou de amar tão rápido?

Como não sente saudades?

Como consegue ser tão frio?

Me ensina?


Minha terapeuta disse que devido aos abandonos que você sofreu das suas raízes, você pode ter medo de florescer em outras terras... Você não quer entrar fundo, porque sabe que ir fundo significa ter parte da sua nutrição vindo dali.

E se depois não vier mais? E se você perder sua nutrição?

Na dúvida, é melhor não ter raiz em lugar nenhum...

Melhor que minha nutrição venha só de mim mesmo. Melhor abandonar antes de ser abandonado.

Você mesmo disse que "se apaixonar por mim foi uma escolha"... Como se escolhe sentimento? Como se decide pelo coração?

Depois você diz que não é racional!

Pois eu acho que você é! E muito.

E tem sido até agora.

O problema da razão é que ela afasta a gente do coração.

O que pode ser um bom mecanismo de defesa pra quem tem medo de ir fundo demais.

E se a teoria de que a sua dificuldade em se permitir se conectar profundamente for real, talvez ela tenha feito com que os nossos últimos 5 meses tenham sido pra você, 5 semanas.

Em uma relação de cinco semanas realmente é fácil largar. É fácil desapegar.

Você me disse que perdia celulares com constância... Talvez você não ligue muito pra isso. Acredito que perder qualquer coisa te soa como "apenas mais uma perda". E é compreensível que não ligue pra perdas. Você nasceu a partir de uma.

Mas eu ligo.

Eu realmente faço questão de não perder, de não deixar passar, de não parar de cuidar de tudo aquilo que me faz bem e que é me importante de alguma forma.

Você foi.

Você é.

E tamanha facilidade sua em deixar de lado, em me perder, me fez pensar que vivi uma grande mentira. Que nada do que aconteceu foi real. Que nossa relação foi rasa ou vazia.

Mas logo esse pensamento saiu de mim!

Imagina... nossa relação não foi rasa.

Nossa relação foi profunda.

Não tem como eu duvidar disso!

Eu tenho certeza que nossa relação foi profunda


Mas

talvez só de um lado

Você disse “no 3 a gente mergulha!”

Contou até 3 e eu me joguei.

Quando já estava inteira dentro d’água foi que percebi que você nunca entrou.